A Raiva na Terapia do Esquema: Modos, Funções e Estratégias Clínicas


“A raiva tem muitas faces — e todas contam uma história.”

Na prática clínica, é comum encontrarmos pacientes que expressam raiva de maneiras diversas — seja de forma explosiva, fria, controladora ou até resignada. O que muitas vezes escapa à compreensão inicial é que essa raiva não é apenas um comportamento, mas a manifestação de modos específicos que emergem como formas de enfrentamento emocional.

Terapia do Esquema, desenvolvida por Jeffrey Young, nos convida a olhar para a raiva não apenas como um sintoma, mas como uma via de acesso para compreender esquemas precoces desadaptativos e necessidades emocionais não atendidas.


🔥 Modos de Raiva: Mais do que a “Criança Zangada”

Durante anos, a raiva foi associada quase exclusivamente ao modo Criança Zangada — expressão legítima da frustração e injustiça vivenciada por uma criança emocionalmente negligenciada ou maltratada. No entanto, pesquisas e avanços no modelo de modos (como os de Arntz & Jacob, Behary, Farrell & Shaw) expandiram esse olhar, reconhecendo outros modos de raiva:

📌 Alguns dos principais incluem:

  • Criança Enfurecida: raiva intensa, desproporcional e destrutiva.
  • Criança Obstinada: raiva passiva, marcada por teimosia e resistência.
  • Protetor Zangado: raiva defensiva usada como “muro emocional”.
  • Modo Provocador e Ataque: uso instrumental da raiva para controlar e intimidar.
  • Modo Justificado: raiva disfarçada de superioridade ou direito.
  • Modo Crítico ou Punitivo: raiva direcionada a si mesmo, como autocrítica severa.

Cada um desses modos se conecta a estratégias de enfrentamento (evitamento, supercompensação ou rendição) que o paciente aprendeu em contextos de trauma ou negligência emocional.


🧠 Por que entender os modos de raiva é essencial na clínica?

Quando a raiva emerge em sessão, o terapeuta pode:

  • Se retrair, por medo ou desconforto.
  • Reagir punitivamente, ativando seus próprios esquemas.
  • Ou, idealmente, usar esse momento como uma ponte terapêutica para acessar emoções profundas, validar a dor do paciente e reconstruir estratégias mais saudáveis de expressão.

Para isso, é necessário discernir qual modo está ativo — e, com isso, adaptar a intervenção:

  • criança enfurecida precisa ser acolhida.
  • protetor zangado requer confrontação empática.
  • modo justificado demanda limites e resgate da vulnerabilidade.
  • modo provocador e ataque exige segurança e estrutura firme.

💬 E na relação terapêutica?

A raiva também pode ser ativada no vínculo terapêutico, diante de situações como:

  • O terapeuta parecer distante ou julgar o paciente.
  • Interrupções nas sessões, faltas ou atrasos.
  • Falta de validação emocional percebida.

Por isso, a autorregulação emocional do terapeuta é tão importante. O artigo de Gasiewski & Behary (2018) propõe, inclusive, exercícios de visualização para que o terapeuta retome seu modo adulto saudável antes de intervir em situações de raiva.


🛠️ O que a raiva revela?

A raiva não é apenas um problema a ser controlado — é um sinal de que algo importante está ferido e precisa de atenção.

A função do terapeuta não é suprimir a raiva, mas ajudar o paciente a entender o que ela representa: abandono, humilhação, injustiça, vergonha, impotência. E a partir disso, transformar a raiva de um sintoma em uma ferramenta de cura.

📚 Referências

  • Arntz, A. & Jacob, G. (2013). Schema Therapy in Practice: An Introductory Guide to the Schema Mode Approach. Wiley-Blackwell.
  • Behary, W. T. (2013). Disarming the Narcissist: Surviving and Thriving with the Self-Absorbed. New Harbinger.
  • Gasiewski, J. & Behary, W. (2018). Beyond the Angry Child: Anger Modes—Conceptualization and Treatment. New Jersey/New York City Institute for Schema Therapy.
  • Farrell, J. M. & Shaw, I. (2012). Group Schema Therapy for Borderline Personality Disorder. Wiley-Blackwell.
  • Young, J. E., Klosko, J. S., & Weishaar, M. E. (2006). Schema Therapy: A Practitioner’s Guide. Guilford Press.

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